Recuperação judicial no Brasil: um panorama com o especialista Julio Cesar Siqueira
Osni Alves Jr.
Se equilibrar as contas familiares em tempos de crise não é tarefa fácil, muito mais complexa, então, se torna a gestão de empresas de pequeno, médio e grande porte. Com a economia combalida, muitos acabam sucumbindo ao cenário econômico.
Especialista em recuperação judicial e autor do livro “Recuperação judicial de empresas médias e pequenas: Guia prático para o credor a o devedor”, da Trevisan Editora, o advogado Julio Cesar Siqueira falou com exclusividade ao Portal Contábil SC sobre esse assunto.
PCSC: quantas empresas fecham no Brasil por ano?
Nem todo fechamento de empresas é por conta da decretação da falência do negócio, mas infelizmente nem todos os empresários conseguem encerrar uma empresa liquidando todas as dívidas e cumprindo com todas as obrigações legais. Hoje no Brasil, se é difícil abrir uma empresa, fechar é quase impossível.
O site http://empresometro.cnc.org.br/Estatisticas, mantido pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, aponta o seguinte número de mortalidade das empresas durante os anos de: 2011: 172.199; 2012: 159.389; 2013: 144.277; 2014: 150.209; 2015: 580.981; 2016: 346.901; e 2017: 66.882 até 22 de março. A Serasa Experian, apresenta uma estatística das falências decretadas: 2011: 641; 2012: 688; 2013: 746; 2014: 740; 2015: 829; 2016: 721; e 2017: 258 até abril.
É possível compreender a diferença entre as informações, pois a falência decretada depende de um processo judicial e da publicação da decisão da mesma que às vezes ocorre quando de fato a empresa já estava fechada.
PCSC: em contrapartida, quantas abrem por ano?
Segundo a Serasa Experian (http://noticias.serasaexperian.com.br/blog/2017/01/10/de-janeiro-a-outubro-mais-de-17-milhao-de-empresas-foram-criadas-no-pais-aponta-serasa-experian/), durante o 10 primeiro meses de 2016 foram criadas no Brasil 1.702.958 novas empresas, quantidade 0,7% superior a igual período de 2015, quando ocorreram 1.691.652 “nascimentos”. Contudo, e necessário apurar um pouco mais estes números de 2017, pois analisando por natureza jurídica, percebe-se que os MEIs (Microempreendedores Individuais) representaram 1.344.539, as sociedades Limitadas 148.017, as empresas Individuais 113.237 e de outras naturezas 97.165.
PCSC: quantas pedem Recuperação Judicial?
Também a Serasa Experian aponta o seguinte número de pedidos de recuperação judicial requerida durante os anos de 2011: 515; 2012: 757; 2013: 874; 2014: 828: 2015: 1287; 2.016: 1863; e 2017: 398 até abril. Percebe-se o salto nos anos de 2015 e 2016, mas houve uma redução nos primeiros anos de 2017 comparando com igual período de 2016. Cabe esclarecer que após requerer a Recuperação Judicial, a empresa tem que aguardar o deferimento do deu pedido pelo juiz e somente após esta etapa deverá apresentar o plano de recuperação judicial, proposta de pagamento aos credores, que sendo aprovada pela assembleia de credores receberá a concessão da recuperação judicial.
PCSC: a Recuperação Judicial beneficia a empresa, o proprietário/investidor ou o empregado? Tem algum beneficiado com essa situação? Por quê?
Primeiro tem que se entender o objetivo da lei, que está expressa no artigo 47 da Lei 11.101/05.
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Inicialmente, tende-se a acreditar que a Recuperação Judicial beneficia o devedor, pois as dividas não poderão ser cobradas, pois a empresa recebe certa blindagem. Contudo, se ao invés de requerer recuperação judicial o devedor confessasse a falência? A única chance de um credor receber seria na liquidação dos ativos e no caso de credores com garantias no leilão ou consolidação das mesmas. Neste segundo cenário, a recuperação judicial é uma chance do devedor se recuperar da situação de crise, pagar seus credores e continuar operando e gerando renda.
O processo de recuperação tem que beneficiar a sociedade e seus agentes, não pode proteger um lado, tem que ser equilibrado. Os credores e devedores devem suportar seus ônus para que seja possível o atingimento dos resultados sociais e econômicos. Os credores devem apoiar um plano que faça sentido econômico-financeiro e que seja razoável e factível. Os devedores devem agir de maneira transparente, cumprir as ordens judiciais e obedecer aos prazos legais, devem ainda apresentar um plano de recuperação razoável e que seja possível cumprir. O processo recuperação judicial é um ambiente propício para que os lados negociem e encontre formas de superar a crise.
PCSC: poderia citar um caso prático em que tenha trabalhado?
Até 2014 meus clientes se concentravam na área industrial, mas com o agravamento da crise empresas voltadas ao comercio e serviço também recorreram à recuperação judicial. Infelizmente, o empresário tem restrições ao se expor e não autorizam a veiculação do seu nome, contudo, tenho um caso interessante. Trata-se de um escritório de serviços contábeis, se não estiver errado, foi o único em São Paulo. Inicialmente o trabalho teve que ser bem detalhado e fundamentado para demostrar a natureza empresarial e que não se tratava de atividade intelectual. O pedido foi deferido e o plano de pagamento aos credores foi aprovado no final de 2016, equilibrando assim o passivo e permitindo a continuidade das atividades.
PCSC: poderia fazer uma exposição da nova lei de recuperação judicial – esta que o governo está atualizando?
Cabe esclarecer que inicialmente foi criado um grupo de trabalho através da Portaria n° 467, de 16/12/2016 – Ministério da Fazenda com a finalidade de estudar, consolidar e propor medidas voltadas ao aprimoramento da Lei de Recuperação e Falência de Empresas e de outros instrumentos legais associados. Este grupo deve trazer em breve soluções para modernizar e resolver questões importantes, que darão mais celeridade ao processo. Encerrar rapidamente uma recuperação ou na falência liquidar em meses seus ativos, principalmente bens móveis e não duráveis, poderá mudar o rating (nota que as agências internacionais de classificação de risco de crédito atribuem a um emissor [país, empresa, banco] de acordo com sua capacidade de pagar uma dívida) destas empresas. As propostas devem ser apresentadas neste mês de maio e serão apresentadas como projeto de lei.
PCSC: poderia, também, fazer um comparativo entre os modelos?
Todas as propostas visam dar maior celeridade ao processo de recuperação judicial, destacando algumas:
– Ampliar o leque das empresas aptas a ingressar no processo; hoje somente é admitido aos empresários individuais e às sociedades empresárias.
– Prazo máximo de 180 dias para liquidação e preços flexíveis na venda dos bens na falência; hoje a liquidação das falências dura anos e os ativos, na maioria das vezes, não são suficientes para pagar os credores.
– O ponto mais polêmico: Garantias fiduciárias terem uma classe especifica e serem tratadas com prioridade absoluta; hoje estão excluídas do processo de recuperação judicial.
– Permissão expressa para os financiamentos e a venda de ativos no processo, que deve livrar o investidor de todo e qualquer passivo da devedora. Pela lei vigente, já há certa blindagem na compra de ativos da devedora (filiais ou as chamadas unidades produtivas isoladas).
– Outro ponto polêmico é que trata as dívidas tributárias; hoje existe um parcelamento especial em 84 meses para as empresas em recuperação judicial, mas ainda dependem de regulamentações nas esferas estaduais e municipais, contudo o prazo é inferior se comparado a outros parcelamentos já concedidos.
– Regulamentar a recuperação judicial de grupos de empresas. Não há previsão na lei vigente sobre essa questão e os juízes tratam do tema de acordo com o caso.
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